Para entender um pouco mais aqui está as resoluções do CREMERJ sobre o assunto:
A Resolução 265/12, publicada no último dia 19, proíbe a presença de médicos em partos domiciliares e os impede de fazer parte de equipes de suporte, caso haja necessidade de remoção da mulher para ambiente hospitalar. Médicos cariocas que participarem de partos em casa serão punidos pelo Conselho.
“Art. 1º É vedada a participação do médico nas chamadas ações domiciliares relacionadas ao parto e assistência perinatal.
Art. 2º É vedado ao médico participar de equipes de suporte e sobreaviso, previamente acordadas, a partos domiciliares.
Art. 3º Ficam excetuadas as situações de urgência/emergência obstétrica, devendo ser feita a notificação compulsória ao CREMERJ, circunstanciando o evento.
Art. 4º É compulsória a notificação ao CREMERJ, pelos Diretores Técnicos e plantonistas de unidades hospitalares, do atendimento a complicações em pacientes submetidas a partos domiciliares e seus conceptos ou oriundas das chamadas “Casas de Parto”.
Art. 5º O descumprimento desta Resolução é considerado infração ética passível de competente processo disciplinar.”
A Resolução 266/12, publicada no mesmo dia, proíbe a participação de “doulas, obstetrizes, parteiras, etc.” “durante e após a realização do parto, em ambiente hospitalar”, privando a mulher do direito de escolher a equipe de profissionais que acompanhará seu parto.
“Art. 1º É vedada a participação de pessoas não habilitadas e/ou de profissões não reconhecidas na área da saúde durante e após a realização do parto, em ambiente hospitalar, ressalvados os acompanhantes legais.
Parágrafo único. Estão incluídas nesta proibição as chamadas “doulas”, “obstetrizes”, “parteiras”, etc.
Art. 2º Esta Resolução não se aplica às enfermeiras obstetrizes legalmente reconhecidas conforme disposto nos incisos II e III do artigo 6º da Lei nº 7.498/86.
Art. 3º O descumprimento desta Resolução é considerado infração ética passível de competente processo disciplinar.”
E a resposta judicial contra essas resoluções do CREMERJ: Segue na íntegra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal GUSTAVO ARRUMA MACEDO:
Processo nº 0041307-42.2012.4.02.5101 (2012.51.01.041307-8)
02ª Vara Federal do Rio de Janeiro
Trata-se de ação civil púbica proposta pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro ¿ COREN/RJ em face do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro ¿ CREMERJ pleiteando, em sede liminar, a suspensão dos efeitos das Resoluções CREMERJ nº 265 e nº 266, de 2012, que proibiram a participação de médicos nas chamadas ações domiciliares relacionadas ao parto e assistência perinatal, em equipes de suporte e sobreaviso, previamente acordadas, em partos domiciliares, assim como a participação de pessoas não habilitadas e/ou profissões não reconhecidas na área de saúde (entre elas, doulas, obstetrizes e parteiras) durante e após a realização do parto, em ambiente hospitalar, ressalvados os acompanhantes legais.
Sustenta como fundamento do pedido, em suma, ofensa a diversos dispositivos constitucionais, legais e infralegais arrolados no bojo da exordial, que garantem à mulher o direito ao parto domiciliar, assim como ao acompanhamento, em ambiente hospitalar, de pessoa de sua livre escolha.
Inicialmente, afigura-se incontestável a legitimidade do Conselho Regional de Enfermagem na propositura da presente ação civil pública, porquanto disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, bem como zelar pelo bom conceito da profissão e dos que a exerçam, encontram-se entre suas atribuições legais (art. 15, II e VIII, da Lei nº. 5.905/73), sendo certo que a harmônica interação entre os profissionais envolvidos no trabalho de parto, seja domiciliar ou em ambiente hospitalar, revela-se essencial para o efetivo e satisfatório desempenho da profissão submetida à fiscalização da autarquia. Em outras palavras, é inegável que as proibições emanadas do diploma normativo ora guerreado trarão enormes repercussões ao cotidiano exercício da profissão de enfermeira (Lei nº 7.496/86), cuja proteção encontra-se entre as atribuições do COREN/RJ. Por outro lado, a Lei nº 7.347/85 expressamente atribui às autarquias a legitimidade para propor ações civis públicas (art. 5º., IV).
Como notório, a decisão liminar antecipatória dos efeitos da tutela se caracteriza pela superficialidade da cognição exercida pelo magistrado, que se limita a analisar a existência da verossimilhança das alegações e do perigo inerente à espera pelo provimento judicial definitivo sobre a matéria em debate.
No caso ora analisado, verifico presentes os requisitos autorizadores da medida, pelas razões que passo a expor:
Inicialmente, salta aos olhos a incompatibilidade entre as Resoluções CREMERJ nº 265 e nº 266 e o tratamento dado à matéria pelos diplomas normativos federais. Em termos práticos, as resoluções terminam por dificultar, senão inviabilizar, o exercício da atividade de parteiras, porquanto ao mesmo tempo em que proíbem a atuação de médicos em partos domiciliares, com exceção das situações de emergência, também vedam a participação das aludidas profissionais em partos hospitalares. Entretanto, a Lei nº. 7.498/86 define que:
Art. 9º São Parteiras:
I – a titular do certificado previsto no art. 1º do Decreto-lei nº 8.778, de 22 de janeiro de 1946, observado o disposto na Lei nº 3.640, de 10 de outubro de 1959;
II – a titular do diploma ou certificado de Parteira, ou equivalente, conferido por escola ou curso estrangeiro, segundo as leis do país, registrado em virtude de intercâmbio cultural ou revalidado no Brasil, até 2 (dois) anos após a publicação desta lei, como certificado de Parteira.
Nessa senda, aparentam conflitar com diploma normativo hierarquicamente superior as resoluções da Autarquia Estadual que praticamente inviabilizam o exercício de profissão regulamentada por lei federal especial válida e vigente.
Destaque-se, ainda, que a proibição inserta no art. 1º, parágrafo único, da Resolução CREMERJ nº 266/12 estende-se às obstetrizes, indo de encontro ao previsto no Decreto Federal nº. 94.406/87, regulamento da lei supra mencionada, que dispõe:
Art. 9º Às profissionais titulares de diploma ou certificados de Obstetriz ou de Enfermeira Obstétrica, além das atividades de que trata o artigo precedente, incumbe:
I – prestação de assistência à parturiente e ao parto normal;
II – identificação das distocias obstétricas e tomada de providência até a chegada do médico;
III – realização de episiotomia e episiorrafia, com aplicação de anestesia local, quando necessária.
Sob uma ótica constitucional, destarte, na qual se prestigia o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, não cabe ao CREMERJ impedir que as parteiras e obstetrizes exerçam seu mister que, além de contar com muitos anos de existência, é regulamentado por lei e decreto federais (art. 5º, XIII, da Carta Magna).
Obstar sua participação nesse procedimento ainda conflita, na perspectiva da mulher em trabalho de parto, com a mens legis subjacente à previsão contida no §1º, da Lei nº 8.080/90:
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)
§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)
Noutro giro, ainda naquela ótica, a República Federativa do Brasil se fundamenta, entre outras axiomas, na dignidade da pessoa humana (art 1º, III). Do ponto de vista da parturiente, as limitações impostas pelo CREMERJ parecem ignorar ou, ao menos, desconsiderar o inegável suporte emocional, psicológico e físico dado por parteiras, doulas, obstetrizes e etc., no parto hospitalar ou domiciliar. Ressalte-se que, malgrado a controvérsia atinente aos perigos inerentes ao parto domiciliar, matéria a ser pormenorizadamente debatida por ocasião da prolação da sentença de mérito, a escolha deve ser, em princípio, da mulher gestante. E as resoluções do CREMERJ, ao vedarem a participação de médicos no parto domicilar, acabam por impossibilitar essa escolha. Nesse diapasão, os estudos anexados à prefacial atribuem densidade suficiente aos argumentos do autor na defesa da segurança e benefícios do parto domiciliar, aptos a consubstanciar o fumus boni iuris.
É de se considerar, ainda, que a vedação à participação de médicos em partos domiciliares, ao que tudo indica, trará consideráveis repercussões ao direito fundamental à saúde, dever do Estado, porquanto a falta de hospitais fora dos grandes centros urbanos é muitas vezes suprida por procedimentos domicilares, nos quais é indispensável a possibilidade de participação do profissional da Medicina, sem que sobre ele recaia a pecha de infrator da ética médica.
O periculum in mora decorre das graves conseqüências que as resoluções atacadas podem trazer ao, destaque-se, antiquíssimo e tradicional exercício das profissões de parteira, doulas, obstetrícias e etc., que restou sobremaneira tolhido com a norma e, ainda, ao direito à saúde constitucionalmente assegurado.
Por todo o exposto, DEFIRO A LIMINAR para suspender os efeitos das Resoluções CREMERJ nº 265 e nº 266, de 2012, até ulterior decisão deste juízo ou até que o E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região e instâncias superiores se manifestem em sentido contrário.
Intime-se, com urgência.
Sem prejuízo, cite-se.
P.R.I.
(iyv)
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2012.
GUSTAVO ARRUDA MACEDO
Juiz Federal Substituto no Exercício da Titularidade
Plágio é crime e está previsto no artigo 184 do Código Penal.