Texto retirado do blog: https://amaequequeroser.wordpress.com/2014/07/02/lua-de-leite/
“Uma linda lua de leite para vocês”. Via de regra, esse é o meu desejo a toda mãe recém-parida. Mas acho que poucos entendem o que estou desejando (né?). Então, aproveitando o embalo de um post que estou escrevendo sobre o puerpério, resolvi falar um pouco sobre essa ideia e “vender o peixe” da lua de leite.
A função da lua de leite é simples: fortalecer o vínculo e minimizar o estresse. Da mesma forma que a lua de mel servia (serve ainda?) um propósito de iniciar o casal na vida a dois, afastando os dois das tarefas do dia-a-dia para que entrassem em sintonia um com o outro, a lua de leite cria um espaço para o casal (e eventualmente os irmãos mais velhos) se vincular(em) e ganhar(em) intimidade com o novo ser que chegou para compor a família. Para não me estender muito (mais do que o necessário), vou tentar ser didática, para que ninguém fique achando que lua de leite é sinônimo de levar o pequerrucho para Aruba ou Paris!
O que é, exatamente, uma lua de leite?
Trata-se de um período para viver intensamente a vinculação com o bebê, minimizando as atividades mundanas (sair, cozinhar, limpar a casa, socializar) e o contato com o mundo e o tempo “real”. A lua de leite envolve muito contato pele a pele entre o bebê e a mãe (e o pai), pouca atividade física e mental, e, claro, bastante leite materno, pois marca o início dessa relação que é amamentar. Como numa lua de mel, também convém esquecer o relógio e as rotinas para viver integralmente no presente.
Quanto tempo leva a lua de leite?
Não tem regra. Vai da necessidade e do perfil de cada família. Entre duas e quatro semanas me parece um bom ponto de partida.
Qual o sentido da lua de leite?
Ao diminuir as atividades supérfluas – isto é, tudo aquilo que não envolve atender às necessidades fisiológicas e emocionais do binômio mãe-bebê – a família vivencia esse início da relação com o filho de forma plena. A lua de leite libera a mulher da necessidade de entreter os outros, fazer comida ou arrumar a casa; no lugar disso, há repouso (na medida do possível), silêncio (idem), mergulho interior, contato verdadeiro. Essa intensidade também facilita o início do aleitamento: o contato pele a pele promove a liberação de ocitocina (hormônio do vínculo e da ejeção do leite), o peito em livre demanda (sem olhar a hora) aumenta a produção de leite, bem como a confiança e a habilidade da mãe, e o contato social reduzido diminui a chance de se expor a comentários que podem minar o processo delicado de amamentar. Como a lua de leite envolve se desligar um pouco do mundo externo, as pressões sociais são aliviadas, permitindo vivenciar a montanha-russa de emoções do puerpério sem a necessidade de se justificar nem fingir que tá tudo bem.
Isso significa que não devo receber visitas nem sair nesse período?
Não. Claro que não. Mas a ideia é sim reduzir as visitas e as saídas para diminuir as cobranças sociais. Para a visita, uma boa regra é: a pessoa em questão pode te ver descabelada, na cama, pelada da cintura para cima ou de roupão? Existe intimidade e boa vontade na relação, de forma que você pode ficar tranquila se, por acaso, der uma descompensada básica (leia-se: se você for grossa ou histérica, ou se simplesmente resolver expulsar todo mundo dali)? Se a resposta for “sim” então a visita não atrapalhará. Quanto a sair, se der vontade e não for uma obrigação, ou se for necessário por motivos de saúde, não vejo por que não.
Preciso me preparar ativamente para a lua de leite?
Sim. Salvo exceções, a sociedade hoje não está preparada para acolher as mães nesse período. Dois exemplos claros são a prática de separar o bebê na maternidade, levando-o para o berçário, e a expectativa cultural de receber visitas imediatamente após o nascimento. Ou seja, se você e o seu companheiro não forem pró-ativos, seu puerpério seguirá o padrão da nossa sociedade: bebê separado de vocês na maternidade, colocado em berços, bebês confortos e embalados em cueiros e mantas (ao invés de em contato pele a pele) nos primeiros dias e semanas, rotinas de cuidados e mamadas com horários fixos, visitas cheias de para entreter, pitacos de parentes e amigos, tempo de conexão mãe-bebê diminuído devido à obrigação de realizar tarefas domésticas etc.
Como me preparo para a lua de leite?
Antes do nascimento:
- deixe refeições congeladas ou organize-se para que você não tenha que pensar em preparar ou comprar comida;
- mande um e-mail para amigos e parentes explicando o desejo de ficar a sós com o bebê no período de x dias após o nascimento, explicando os motivos, se quiser (inspire-se no modelo abaixo);
- combine com a equipe médica (incluindo o pediatra!) que você faz questão do contato pele a pele e da amamentação na primeira hora de vida (se precisar de respaldo, lhes envie este link);
- crie ou fortaleça sua rede de apoio – isto é, aquelas pessoas próximas, que respeitam o seu desejo e entendem a delicadeza do pós-parto, com quem você poderá contar para ir ao mercado, passar na farmácia, limpar sua casa, e que também estejam dispostas a ouvir sem julgar, dar um ombro para você chorar e fazer carinho quando mais precisa.
- fique em contato pele a pele com o bebê assim que ele nascer (antes de medir, pesar etc.);
- permita que ele inicie a amamentação no tempo dele, antes de ser tirado do seu colo;
- atrase o primeiro banho (acredite: o cheiro de um recém-nascido é algo que só pode ser comparado ao néctar dos deuses);
- faça alojamento conjunto (i.e. evite o berçário);
- deixe o seu companheiro/ acompanhante com a tarefa de ser o guardião da lua de leite – isto é, de proteger você e o bebê de serem separados, de evitar os protocolos do hospital que interferem na amamentação (complemento e bicos artificiais, por exemplo), de “barrar” visitas que não vão agregar.
Em casa:
- fique peladona da cintura pra cima, com o bebê só de fralda ou pelado;
- cheire a cria (lamber também vale!);
- de novo, deixe o maridão ou outra pessoa da rede de apoio responsável por todo que envolve o mundo externo: telefonemas, tarefas domésticas, compras etc.
- permita-se sentir, deixe as emoções fluirem;
- tenha em mãos o telefone de uma doula pós-parto ou consultora de amamentação ou banco de leite, caso o bicho pegue;
- confie… É punk, é enlouquecedor às vezes, mas é assim mesmo. Você sobreviverá.
Espero que este post contribua para que você pense com carinho na possibilidade de viver uma lua de leite, para um início de maternidade suave (na medida do possível!), integral e com bastante leitinho e cheiro de bebê.
Plágio é crime e está previsto no artigo 184 do Código Penal.